Terra de tesouros mil
É consenso que o Brasil figura no topo do mundo no que diz respeito a riquezas naturais, o que por sua vez não garante o desenvolvimento eficiente do mesmo. Além disso, diversos países ao redor da Terra se interessam por nossas riquezas supostamente desde o século XV, fazendo com que os tesouros da terra verde e amarela estivessem em alta desde a grande era das grandes navegações até os dias do ápice do comércio global e da sociedade digitalizada.
Uma questão recorrente acerca desse tema é “Se o Brasil é um país com tantas riquezas, por que figuramos no terceiro mundo? ”. Responder a essa questão precisamente demanda vasta compreensão sobre diversos fatores que contribuem para que isso se reflita na realidade, mas hoje quero me ater a um fator elementar. Mais uma vez a educação, a semente que brota no individual de cada mente, mas que num amplo espaço amostral, determinará a trajetória de um povo ao longo do tempo, e por consequência a identidade desenvolvida.
Ciência e intelectualidade
Hoje quero traçar um paralelo entre o método científico, uma das esferas mais altas no que diz respeito a carreiras acadêmicas e intelectuais e a trajetória intelectual individual de pessoas de um povo qualquer. Com isso, levantar um dos possíveis motivos pelos quais o Brasil não avança mesmo sendo detentor de uma ímpar fonte de riquezas, que apesar de explorada ao longo de séculos, continua minando abundância, embora a maioria de sua população não ter acesso a essa veia.
Primeiramente, é importantíssimo salientar que a curiosidade genuína é a engrenagem principal, o pilar mestre da estrutura catedrática da ciência como a conhecemos. Sabemos que um cientista por definição é o indivíduo cujo ofício consiste em especular sobre algo e elaborar uma tese para que posteriormente vá a campo validar seu estudo experimentalmente. Toda e qualquer revista científica de respeito contará com rigorosos critérios, de modo que os trabalhos ali presentes tenham sólidas bases. Resumindo o método científico para aqueles que nunca tiveram contato com informações a esse respeito, uma verdade constatada em estudo precisa ser criteriosamente documentada, a fim de que o experimento realizado possa ser replicado, e por consequência, seja válido.
Questionamento profundo
Uma vez que uma tese é empiricamente provada, o novo fato terá então acesso ao seio do mais puro conhecimento da humanidade. A saber, a curiosidade e a fome pela compreensão desse mundo material sempre foram a força motriz do campo científico, o que por sua vez gerou valor inestimável ao longo dos séculos.
Sabemos que uma carreira científica demanda não só longos anos de dedicação, mas honestidade intelectual, a capacidade para questionar tudo. Também se faz necessário estar aberto à possibilidade do completo esfarelamento de um fato considerado pura verdade até o momento presente, que diante de novos experimentos, acaba por ser forçado a se remodelar.
Uma nova base para o futuro
Adentrando agora no que tange a educação (majoritariamente em países em desenvolvimento), é constatado um problema elementar completamente antagônico à forma como a ciência genuína é constituída. Tão logo quanto um indivíduo estabeleça para si suas supostas verdades, dotado de uma arrogância ímpar, o mesmo não estará disposto à mera cogitação do equívoco, mesmo que mínimo, e é exatamente disso que trataremos hoje.
Percepção em outro patamar
Como dizia o doutor Enéas Carneiro, renomado cardiologista brasileiro com reconhecimento internacional e contribuição significativa para o meio científico brasileiro, “… eu olho para esse universo físico, químico, matemático, biológico, sociológico, psicológico, eu olho para esse universo e o vejo de uma complexidade estarrecedora, nada é simples, nem uma gota d’água, nem um átomo. É ignorância brutal do ser humano que acha tudo simples, tudo é extremamente complexo. Eu me curvo diante de uma vontade suprema, eu creio em Deus como força suprema e motora do universo, força da qual uma pequena parcela existe em cada um de nós…”
Conforme o afirmado pelo doutor, podemos compreender um pouco melhor a finalidade última da ciência, dotada da metodologia para observar, compreender, dominar e fazer aplicação eficiente dos fenômenos naturais em suas mais variadas esferas. Para compreender um determinado fenômeno, o homem precisa olhar para a organização das coisas em seu entorno honestamente. Uma vez mensurados, esses elementos podem ser registrados sistematicamente, de modo que as pesquisas vindouras possam ter como ponto de partida uma verdade já estabelecida, ou pelo menos se fundamentarem em alguns dos degraus que rumam na direção da “verdade total”.
Constatação perigosa
Em coluna anterior, fiz uma observação acerca da metodologia utilizada pelos marxistas para implementar suas ideias. Parece natural afirmar que os homens em questão, por mais duvidosas que fossem suas ideias, compreenderam o vital fator para a propagação de um conhecimento profundo de forma perpétua. O tempo médio de vida de um ser humano nesse plano terreno é curto demais para a compreensão absoluta de qualquer fenômeno observável. Por conta disso, as novas gerações devem ser preparadas para dar continuidade ao processo, seguindo do exato ponto onde a geração anterior parou, embasada religiosamente a bibliografia sistematizada por seus precursores.
Simplicidade apenas na superfície
Ao observar um indivíduo aleatório alegar a simplicidade de qualquer fenômeno observável nessa Terra, duas possibilidades se evidenciam, sendo elas, uma abordagem generalizada e superficial do assunto, ou a completa ignorância e arrogância acerca do tópico em questão. Obviamente que um fragmento de um universo específico pode ser observado isoladamente, como, por exemplo, podemos ensinar as vogais a uma criança nos primeiros anos de sua vida. A mesma passará a reconhecer e replicar sua sonoridade e seu simbolismo, porém mesmo após longas décadas de sua vida, ela não compreenderá em plenitude do universo da linguística e da comunicação humana.
Sabendo como a metodologia científica funciona, afirmo então que o comportamento observado no Brasil e em vários outros países em desenvolvimento ao redor da Terra (também presente em países desenvolvidos, principalmente na parcela menos culta da população), conduz as massas na direção oposta de uma honesta análise sobre qualquer coisa. Acredito que seja aceito pela maioria que a ciência de verdade adota uma postura completamente questionadora. Ela detém principalmente a honestidade para encontrar possíveis erros e reformular novas teses, trazendo consigo a capacidade de admitir, caso seja o caso, que edificávamos até aqui uma estrutura sobre uma base não tão sólida.
Se tal método se provou eficiente para a construção da ciência e do conhecimento da humanidade, por que não partir do mesmo pressuposto em nossa jornada intelectual individual? Adotemos então como exemplo as discussões políticas. Existe uma evidência muito óbvia para atestar que um indivíduo se encontra completamente idiotizado pelo espectro político que defende, isto é, sua incapacidade de perceber incoerências no discurso, quiçá admitir os equívocos mesmo que os perceba.
Instabilidade eterna
Caso o querido leitor não viva em outro planeta, pôde observar a polarização política presente em nosso cenário, bem como se deparou com pessoas que ao longo de quatro, cinco, seis ou muitos anos, atribuem cem por cento de acerto às atitudes de seu político de estimação. As pessoas perderam completamente a capacidade de criticar, jurando de pés juntos que a argumentação de defesa utilizada foi concebida no fundo de suas cabeças ocas, e não formada pelo meio nos quais estão inseridas. No meio de uma guerra cultural, os seres em questão julgam a si como os detentores de uma capacidade de análise crítica tão refinada que ninguém em sua insignificância tem os atributos mínimos para questioná-los. Mesmo diante de estratégias de guerra digital usadas pelo interesse de peixes grandes que regulam esse mundo, o Seu Tião está seguro de ser possuidor de um intelecto refinado como o ouro puro de Ofir. Vulnerabilidade ao poder dos algoritmos presentes na rolagem das redes sociais utilizadas no transporte público? Bobagem.
O que quero ilustrar com tudo isso é que qualquer pessoa intelectualmente honesta deveria tardar-se em tirar conclusões superficiais sobre qualquer coisa. Deveríamos saber que demanda alguns anos para se tornar autoridade em qualquer coisa. Uma vez que tal fato é constatado, o estudante reconhecerá automaticamente o valor inestimável do trabalho daqueles que contribuíram com os estudos de um tema até então, e diante de material tão rico, reconhecerá sua insignificância diante do todo. Qualquer homem honesto entende que sim, sua contribuição pode se tornar importante, mas será apenas mais uma joia na coroa da sabedoria sobre o tema, entenderá que sua contribuição é a ponte entre o ontem e o amanhã.
Intelectualidade expressa
Dotado de tais capacidades, e, diga-se de passagem, as mais nobres capacidades, o indivíduo consegue analisar tudo com mais frieza. A possibilidade de estar errado é uma das primeiras a serem cogitadas, o que por sua vez não impedirá que o mesmo levante sólida argumentação com base no material internalizado até então. Tal comportamento destaca-se evidentemente no meio da multidão, como a pátina de uma estátua de cobre se destaca no meio de um cinzento centro histórico. Característica fundamental daqueles que carregam consigo a verdade é a de serem reconhecidos onde quer que estejam, assim como os discípulos de Cristo eram reconhecidos pelo simples fato de abrirem a boca.
Andando na contramão de tudo isso, estão os intelectuais de rede social, de mesas de bar, prontos a rosnarem para toda e qualquer “existência primitiva” ousada o suficiente para questioná-los. As “verdades” internalizadas em sua pobre caminhada de dedicação se tornaram para os mesmos o que há de mais factível em toda a existência. As mentes dotadas da característica de criarem certezas tão breves quanto desistem de mais uma “leitura densa”, jamais experimentarão o refinamento do espírito através da intelectualidade.
A base para a plenitude
Como um dos motivos para o Brasil não enriquecer definitivamente, temos o que foi brevemente abordado durante o presente texto, isto é, a riqueza de uma sociedade é primeiro gerada na individualidade. Uma sociedade próspera é reflexo direto da riqueza presente nos membros integrantes da mesma, e por aqui, ainda imperam a malandragem, o jeitinho e as artimanhas nos bastidores.
